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sábado, 25 de fevereiro de 2012

Pitadas de Itamar Assumpção

Para os que não conhecem este Negro Maldito, paulista de Tietê e falecido em 2003, seguem abaixo algumas pitadas de sua obra de exímio letrista e melodista. Um grande beijo.

Vá Cuidar da Sua Vida


Vá cuidar da sua vida
Diz o dito popular
Quem cuida da vida alheia
Da sua não pode cuidar
Crioulo cantando samba
Era coisa feia
Esse é negro é vagabundo
Joga ele na cadeia
Hoje o branco tá no samba
Quero ver como é que fica
Todo mundo bate palma
Quando ele toca cuíca
Vá cuidar...
Negro jogando pernada
Negro jogando rasteira
Todo mundo condenava
Uma simples brincadeira
E o negro deixou de tudo
Acreditou na besteira
Hoje só tem gente branca
Na escola de capoeira
Vá cuidar...
Negro falava de umbanda
Branco ficava cabreiro
Fica longe desse negro
Esse negro é feiticeiro
Hoje o preto vai à missa
E chega sempre primeiro
O branco vai pra macumba
Já é Babá de terreiro
Vá cuidar...


Sampa Midnight



Sampa midnight
Eu assessorado de mais dois chegados
Bartolomeu e Ptolomeu
Partimos pra comemorar
Não lembro o que numa boiate
Escabrosa noite
Deu blackout na Paulista
Breu no Trianon
Cadê o vão do museu, sumiu
Meu Deus do céu que escuridão
Três seres transparentes baixaram não sei de onde
Imobilizando a gente e gritando
Não somos gente
Brilhavam, não tinham dentes
Traziam cortantes tridentes incandescentes
Nas frontes três chifres
Falavam rapidamente com gestos intermitentes
Simultaneamente sons estridentes incríveis
Sampa midnight
Eu chumbado com mais dois embriagados
Bartolomeu Ptolomeu
Quisemos levá-los prum bar
Mas qual o que, tomamos cheque-mate
Tenebrosa noite faltou light na Paulista
Breu no Trianon cadê a Consolação
Escureceu o museu onde está o chão
Um trio intrigante desceu do céu num instante
Chegou intimando a gente e berrando
Não somos gente
Cantaram de trás pra diante
Letras fortes, indecentes
Músicas bem excitantes
Provocantes rumbas funks
Cantaram de trás pra frente
Uns reggaes de breque chiques
Bastante pique sambas de roda chocantes
Sampa midnight
Eu assessorado de mais dois chegados
Bartolomeu Ptolomeu
Partimos para comemorar não lembro o que...


Mal Menor



Você vai notar olhando ao redor
Que sou dos males o menor
Pode até contar com o meu amor
Naquilo que seja lá o que for
Sofrer é antigo por isso que digo
Basta estar vivo pra correr perigo
Pra tudo conte comigo
Darei meu abrigo se quiser abrigo
Se for pra brigar por você também brigo
Pra tudo conte comigo
Você vai notar olhando ao redor
Que sou dos males o menor
Pode até contar com o meu amor
Naquilo que seja lá o que for
Minha flor de trigo meu licor de figo
Diga aonde irás que é pra lá que eu sigo
Pra tudo conte comigo
Eu quero estar contigo meu sexto sentido
Serei inimigo dos teus inimigos
Pra tudo conte comigo


Vida de Artista



Na vida sou passageiro
Eu também motorista
Fui trocador motorneiro
Antes de ascensorista
Tenho dom pra costureiro
Para datiloscopista
Com queda pra macumbeiro
Talento pra adventista
Agora sou mensageiro
Além de pára-quedista
Às vezes mezzo engenheiro
Mezzo psicanalista
Trejeito de batuqueiro
A veia de repentista
Já fui peão boiadeiro
Fui até tropicalista
Outrora fui bom goleiro
Hoje sou equilibrista
De dia sou cozinheiro
À noite sou massagista
Sou galo no meu terreiro
Nos outros abaixo a crista
Me calo feito mineiro
No mais vida de artista


Nêgo Dito



Meu nome é
Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé
Eu me invoco eu brigo
Eu faço e aconteço
Eu boto pra correr
Eu mato a cobra e mostro o pau
Pra provar pra quem quiser ver e comprovar
Me chamo Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé
Tenho o sangue quente
Não uso pente meu cabelo é ruim
Fui nascido em Tietê
Pra provar pra quem quiser ver e comprovar
Me chamo Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé
Não gosto de gente
Nem transo parente
Eu fui parido assim
Apaguei um no Paraná, pá, pá, pá, pá
Meu nome é Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé
Quando tô de lua
Me mando pra rua pra poder arrumar
Destranco a porta a pontapé
Pra provar pra quem quiser ver e comprovar
Me chamo Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé
Se tô tiririca
Tomos umas e outras pra baratinar
Arranco o rabo do satã
Pra provar pra quem quiser ver e comprovar
Me chamo Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé
Se chamá polícia
Eu viro uma onça
Eu quero matar
A boca espuma de ódio
Pra provar pra quem quiser ver e comprovar
Me chamo Benedito João dos Santos Silva Beleléu
Vulgo Nego Dito, Nego Dito cascavé
Se chamá polícia
Eu vou cortar tua cara
Vou retalhá-la com navalha


Vou tirar você do dicionário



Eu vou tirar do dicionário
A palavra você
Vou trocá-la em miúdos
Mudar meu vocabulário
E no seu lugar
Vou colocar outro absurdo
Eu vou tirar suas impressões digitais
Da minha pele
Tirar seu cheiro
Dos meus lençóis
O seu rosto do meu gosto
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim
Eu vou tirar o sentimento
Do meu pensamento
Sua imagem e semelhança
Vou parar o movimento
A qualquer momento
Procurar outra lembrança
Eu vou tirar, vou limar de vez sua voz
Dos meus ouvidos
Eu vou tirar você e eu de nós
O dito pelo não tido
Eu vou tirar você de letra
Nem que tenha que inventar
Outra gramática
Eu vou tirar você de mim
Assim que descobrir
Com quantos "nãos" se faz um sim


Que tal o impossível



Que tal se nós dois vivêssemos
Do jeito que nós quiséssemos
Sem nada que aborrecêsse-nos
Que tal se tudo tivéssemos
Que tal se realizássemos
Aquilo que nós sonhássemos
Maçãs macias comêssemos
Que tal se nós nos beijássemos

Que tal se nós dois dormíssemos
Olho no olho acordássemos
Que tal se nós felicíssimos
Que tal se nós dois voássemos
Que tal se nós dois pudéssemos
Aquilo que desejássemos
Que tal se nós dois tocássemos
E nós dois dançássemos

Que tal se nós dois partíssemos
Que tal se nós dois ficássemos
Que tal se ao máximo amássemos
Que tal se no céu morássemos

Que tal o impossível?
Que tal o impossível?


Dor elegante



Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
Ópios, edens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra


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